segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

O mau exemplo dos Parceiros Sociais

O Conselho Económico e Social (CES) é um órgão constitucional de consulta e concertação social que promove a participação dos agentes económicos e sociais nos processos de tomada de decisão dos órgãos de soberania, no âmbito de matérias socioeconómicas. Este é um espaço de diálogo entre o Governo, os Parceiros Sociais e os restantes representantes da sociedade civil organizada.

A Constituição da República Portuguesa (artigo 92.º) confere ao CES dois tipos de competências, uma consultiva e uma de concertação social. No âmbito da segunda e mais mediática competência do CES, o Governo e os Parceiros Sociais (representantes das Confederações Patronais e Confederações Sindicais) integram a Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS), com vista à celebração de acordos sobre as políticas socioeconómicas nacionais, através do diálogo.

Considerando a mediatização e a importância da CPCS, atrevi-me a procurar os relatórios e contas dos vários parceiros sociais, que constituem as principais Confederações Patronais e Confederações Sindicais do país:

- CIP - Confederação Empresarial [link para o site]
- CCP - Confederação do Comércio e Serviços [link para o site]
- CAP - Confederação dos Agricultores [link para o site]
- CTP - Confederação do Turismo [link para o site]
- CGTP-IN - Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses [link para o site]
- UGT - União Geral dos Trabalhadores [link para o site]

Se têm ou podem ter uma influência relevante no desenvolvimento económico e social do país, nada como observar o seu exemplo na prestação de contas individuais.

Felicito-me pela consulta porque constatei aquela que é a primeira decisão unânime do Parceiros Sociais de que tenho memória. Parece estar acordado que ninguém divulga o Relatório e Contas no respetivo site, o que garante um pacífico ambiente de falta de transparência, coerente, portanto, com a generalidade das entidades de “Interesse Público” que têm sido focadas em alguns artigos deste blog. A organização que “quase” quebrou este acordo de omissão universal da informação financeira foi a CIP, que publicou o Relatório de Atividades de 2015 mas que (por azar) não disponibilizou os anexos que continham as demonstrações financeiras e a certificação legal das contas [link].


Um pequeno grande pormenor: São entidades que usufruem de relevantes benefícios fiscais e apoios estatais (subsídios e outros) que, desta forma, não conseguimos conhecer. Seis entidades entre MUITAS! Para mais observações acerca do tema, sugiro a leitura do artigo “Entidades de Utilidade Pública… mas pouco transparentes”. [link]. 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Conta Geral do Estado 2015 - Parecer do TC - Parte III

Na apresentação do Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado, a entidade fiscalizadora destaca vários assuntos na página de divulgação do trabalho [link].
Um desses assuntos, que há-de ser abordado brevemente neste blog (com a análise das contas e certificações legais das contas do BPN, BES e BANIF antes dos respetivos descalabros), respeita à intervenção estatal ao setor bancário.


Transcrição do site do Tribunal de Contas:

"Entre 2008 e 2015 foram concedidos apoios públicos ao setor financeiro cujos fluxos líquidos atingiram € - 2.526 M em 2015 e € - 14.348 M na totalidade do período.

No final de 2015, o saldo acumulado das receitas e despesas orçamentais decorrentes da nacionalização e reprivatização do BPN e da constituição e funcionamento das sociedades veículo Parups, Parvalorem e Parparticipadas ascendia a € - 3.241 M. A resolução do Banif (criação da Oitante e capitalização do Banif) acarretou despesa pública no montante de € 2.255 M em 2015, para além da garantia/contragarantia concedida a uma emissão de obrigações no valor de € 746 M."



Em detrimento da resolução de problemas crónicos no setor da saúde, aqui abordados em dois artigos [link] (SNS e Setor Público Administrativo) [link] (Hospitais EPE), o Estado opta invariavelmente por enterrar dinheiro dos contribuintes em entidades que colapsaram por negligência e atos criminosos escandalosos, perpetrados por centenas de individualidades e entidades que permanecem impunes, muitas das quais a usufruir do espólio que o erário público é (constantemente) obrigado a repor.

Sem apuramento de responsabilidades (até hoje).

Conta Geral do Estado 2015 - Parecer do TC - Parte II

Na apresentação do Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado, a entidade fiscalizadora destaca vários assuntos na página de divulgação do trabalho [link].
Um desses assuntos, que é muito abordado neste blog, respeita à dívida pública e à tendência (incontrolável) de crescimento que esta verifica ao longo dos anos, sem que tal perturbe a consciência da classe política nacional que, aparentemente, encara com normalidade o fenómeno. Parece que aguarda tudo pelo rebentar da bomba.


Transcrição do site do Tribunal de Contas:


"O valor nominal da dívida consolidada do Estado (€ 225.264 M) aumentou 2,9% face ao ano anterior. Foram pagos juros no montante de € 7.917 M e outros encargos da dívida pública no montante de € 118 M. Porém, a CGE continua a não incluir a dívida dos Serviços e Fundos Autónomos, onde se integram as (EPR) Entidades Públicas Reclassificadas (€ 37.834 M)."
 
Agora, sugiro a consulta dos meus artigos anteriores "A tendência da dívida pública portuguesa" [link] e "O défice orçamental e a dívida pública" [link]. Como sempre, deixo que o(a) leitor(a) tire as suas próprias conclusões.

Conta Geral do Estado 2015 - Parecer do TC - Parte I

Na apresentação do Parecer do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado, a entidade fiscalizadora menciona quatro grandes conclusões na página de divulgação do trabalho [link]. Depois de as conhecer nas transcrições que a seguir disponibilizo, sugiro a consulta dos meus artigos anteriores "A normalização contabilística na Administração Pública... finalmente?" [link] e "As contas anuais dos 4 poderes da democracia" [link]. Tire as suas próprias conclusões. E não... não sou bruxo.

Transcrição do site do Tribunal de Contas:

"A Conta da Administração Central como a Conta da Segurança Social de 2015 estão afetadas por erros materialmente relevantes. O Tribunal formula um conjunto de reservas sobre a legalidade, a contabilização, o controlo interno e a correção financeira da Conta. O Tribunal enfatiza ainda um conjunto de deficiências que persistem de anos anteriores.

É preocupante que, passados dezanove anos da aprovação do Plano Oficial de Contabilidade Pública, a CGE continue a não comportar o balanço e a demonstração de resultados da Administração Central, baseando-se em diferentes sistemas contabilísticos e não refletindo devidamente a situação financeira do Estado.

O novo sistema integrado de contabilidade orçamental, financeira e de gestão para a Administração Pública, que substitui o atual Plano Oficial de Contabilidade Pública, deveria ser aplicado por todos os serviços e entidades a partir de 1 de janeiro de 2017. Porém, este prazo foi já adiado para 1 de Janeiro de 2018.

As verificações efetuadas pelo Tribunal mostraram existir riscos significativos de incumprimento do novo prazo e atraso na reorganização da contabilidade do Estado, suscetíveis de pôr em causa a elaboração das referidas demonstrações orçamentais e financeiras relativas a 2019 e de inviabilizar a respetiva certificação pelo Tribunal."

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

As contas do Serviço Nacional de Saúde - parte 3

Caso ainda não o tenha feito, recomendo a leitura do artigo anterior com as partes 1 e 2 da análise às contas do Serviço Nacional de Saúde [link].

Nesta terceira parte da análise que agora publico, à semelhança dos anteriores, não perco muito tempo com rodeios e disponibilizo o sumo do trabalho através de quadros com os números recolhidos num Ficheiro PDF. A introdução contém alguns reparos técnicos relevantes e enumera as limitações encontradas no trabalho, seguindo-se um índice de todas as entidades e respetivos links para as fontes de informação utilizadas. Os quadros com as informações recolhidas estão divididos pelas várias regiões, nomeadamente: Norte (N) com 15 entidades, Centro (C) com 9 entidades, Lisboa e Vale do Tejo (LVT) com 11 entidades e, finalmente, Alentejo e Algarve (A&AL) com 5 entidades.

A grande condicionante (limitação!) do estudo, tal como referido na introdução do mencionado ficheiro, é a disponibilidade do relatório e contas (R&C) de cada entidade, ou seja, a transparência e o rigor da informação financeira que deve ser obrigatoriamente pública. Pois bem, muitos dos hospitais não disponibilizam o relatório e contas mais recente (de 2015) nos seus sites, nem tão pouco o orçamento em vigor (2016). Em 40 hospitais EPE analisados, 17 divulgam R&C desatualizados (de 2014 ou 2013) e 1 nem sequer divulga o seu R&C. Não obstante, realizei a análise e publico-a porque os portugueses devem tomar real noção do que se passa no SNS e do estado em que ele se encontra. Salvo melhor opinião, as contas estão muito más no papel mas na realidade (prestando atenção às reservas e às ênfases colocadas pelos ROC das entidades), elas estarão EVENTUALMENTE muito, mas muito piores.
Partilho os meus destaques (“preocupações”), com base nos quadros disponíveis no ficheiro acima mencionado:

A PRINCIPAL QUESTÃO: COMO ESTÃO OS HOSPITAIS?

em milhares de euros
Valores Médios Norte Centro LVT A&AL Nacional
Património  56 488 39 190 101 367 62 849 65 733
Fundo Patrimonial 37 939 22 561 -5 043 9 910 19 155
Percentagem perdida 33% 42% 100% 84% 71%
N.º EPE no art.º 35.º CSC 7 em 15 5 em 9 9 em 11 3 em 5 24 em 40

Conforme se pode constatar, 24 entidades estão em situação de falência técnica (com fundos patrimoniais negativos) ou quase falência (com fundos patrimoniais abaixo de metade do património). Com contas atualizadas e com as reservas (e ênfases!) das Certificações Legais das Contas (CLC) consideradas na melhoria da informação financeira, atrevo-me a dizer que teríamos muitas mais. Lisboa e Vale do Tejo aparece como a região mais crítica.

em milhares de euros
Valores Médios Norte Centro LVT A&AL Nacional
Resultado Líquido do R&C -2 932 -4 918 -7 025 -1 913 -4 377
Resultado Líquido '16 (Orçamentado) -7 085 -6 293 -14 462 -2 953 -5 578
Agravamento previsto 142% 28% 106% 54% 27%
EPE c/ resultado negativo no R&C 11 em 15 6 em 9 11 em 11 3 em 5 31 em 40

Os resultados são muito maus e a tendência é para piorar porque nos últimos anos, salvo raro exceção, os resultados líquidos dos hospitais têm sido negativos e, em muitos casos, tremendamente negativos. Espreitando os orçamentos (ou “planos estratégicos”) que se conseguem encontrar, vislumbra-se o agravamento destes desempenhos económicos negativos já em 2016. E nunca é demais destacar que o resultado negativo de um exercício económico não morre nesse período, ele ACUMULA com todos os períodos. A bola de neve já tem um tamanho considerável, restando apenas saber para cima de quem vai rolar, numa época em só se fala de resgate… de bancos.

Valores Médios Norte Centro LVT A&AL Nacional
PMP divulgado no R&C (dias) 129 245 372 134 213
PMP em 30.06.2016 (site SNS) 137 161 275 133 180
Média > 90 dias 47 71 185 43 90
N.º EPE com PMP > 90 dias 9 em 15 5 em 9 10 em 11 3 em 5 27 em 40






Naturalmente, esta debilidade financeira geral dos hospitais EPE não afeta apenas os utentes. Também os credores são penalizados conforme se pode constatar nos Prazos Médios de Pagamento (vergonhosos) com que o setor os presenteia. Se já estivessem disponíveis os PMP a 30.09.2016 no site do SNS o cenário ainda seria pior, conforme se pode constatar nas páginas 45 (gráfico 23) e 64 (tabela A16) da síntese de execução orçamental a outubro publicada pela DGO [link]. Mesmo assim, com esta informação já dá para ver que 27 das 40 entidades têm pagamentos em atraso de acordo com o conceito legal previsto na famosíssima Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso (>90 dias).
Quem quiser consultar os valores (astronómicos) dos passivos em causa, em cada hospital EPE, sugiro a consulta dos quadros que constam no ficheiro acima partilhado na introdução.

EXEMPLOS DE CANCROS QUE PODEMOS DIAGNOSTICAR NAS CONTAS DOS HOSPITAIS

1. Muito do património imobiliário que consta na contabilidade destes hospitais provavelmente... não lhes pertence. De facto, são muitos aqueles que exercem a sua atividade em edifícios que não estão formalmente registados em seu nome, nem na Conservatória de Registo Predial nem na Autoridade Tributária. Estão contabilizados ao abrigo do “princípio da substância sobre a forma” que... não existe no normativo POC-MS. De facto, estes imóveis, que pertencem formalmente ao Estado (acionista único), estão registados no património dos hospitais EPE e, presumo, também no património do próprio Estado – simultaneamente em dois lados, portanto! Este artifício (que até pode ser legitimado, se devidamente formalizado do "lado do Estado", porque os ativos estão efetivamente ao serviço dos hospitais EPE) permite inventar um ativo de valor monumental (que na realidade pertence a outra entidade) e assim mitigar os valores dos fundos patrimoniais negativos (ou potencialmente negativos), pelo que tenho particular curiosidade em saber como será esta questão tratada na consolidação das contas no "Grande Balanço da Administração Pública". Para além desta particularidade no património imobiliário dos hospitais EPE acresce uma outra também muito relevante. A maior parte dos hospitais mais antigos, agora incluídos nos centros hospitalares, exercem a sua atividade em edifício(s) da Santa Casa da Misericórdia local, ou seja, em propriedade alheia, sendo raro o anexo ao balanço que evidencie os montantes de investimento já realizado nessa propriedade alheia, que depois de abandonada (como tem sucedido na transição para unidades mais modernas) reverte para os seus legítimos proprietários.

2. Na generalidade dos hospitais EPE, o processo de circularização (confirmação externa) de saldos devedores de terceiros não revela resultados satisfatórios, designadamente em relação a Companhias de Seguro, a Subsistemas de Saúde (Públicos e Privados), à Administração Regional de Saúde (da região da entidade) e nalguns casos também em relação a outros hospitais EPE, não permitindo ao ROC concluir acerca dos possíveis efeitos nas Demonstrações Financeiras. Nem ele, nem ninguém. Falamos em centenas de milhões de euros de saldos a receber que podem ser colocados em causa, quanto à sua razoabilidade (muitas vezes questionada pelos alegados devedores) e até mesmo quanto à sua cobrabilidade (considerando a antiguidade das mesmas e a débil situação financeira de muitos dos devedores). O cúmulo da situação reside no facto da maioria das situações respeitar a entidades dentro do SNS, não parecendo existir, à data, vislumbre de uma estratégia setorial para sanear estes saldos dúbios para além de uma “Clearing House” do Ministério da Saúde (para facilitar os encontros de contas entre entidades do SNS mas que funciona a carvão). Porquê? Parece-me, salvo melhor opinião, por falta de vontade. Porque no dia seguinte a uma eventual limpeza, remanesceria um monumental buraco nas contas de muitos destes hospitais e, consequentemente, do próprio SNS. A título de exemplo, posso referir os muitos milhões de euros de saldos devedores da ADSE, da IASFA e da SADGNR/PSP "pendurados" nas contas dos hospitais EPE desde 2010, ano em que os utentes destes subsistemas passaram a ser incluídos no âmbito da faturação dos Contratos-Programa celebrados com a ACSS. É verdade que o Estado e as instituições que o formam têm que ser tratados como “pessoa de bem” e os hospitais EPE, nesta perspetiva (e porque o POC-MS também não permite), não constituem provisão para estas dívidas em mora, mas quando as entidades públicas devedoras são questionadas acerca das respetivas dívidas por pagar aos hospitais, elas respondem... que não devem nada. Então quem paga?

3. O principal cliente dos hospitais EPE é a ACSS, entidade do Setor Público Administrativo que intermedeia as transferências do Orçamento de Estado (vide parte 2 desta análise), suportadas por um Contrato Programa celebrado individualmente com cada entidade, para cada ano. Em função do clausulado, cada hospital EPE recebe adiantamentos mensais (daí os grandes saldos de adiantamentos de clientes) e vai estimando a produção efetuada e respetiva remuneração, num processo deveras complexo de compensações e penalizações. Só pode faturar à ACSS quando ocorre a validação das verbas apuradas, o que pode demorar… anos. Verificamos assim elevados saldos de cliente por receber (ativo), acréscimos de proveitos ainda por faturar (ativo) e adiantamentos por regularizar (passivo). Simplificando, em termo líquidos e em jeito de contas de merceeiro, posso dizer que os hospitais EPE têm muito (mas mesmo muito) dinheiro a haver do Estado no âmbito dos contratos programa que se encontram por encerrar. Apesar de, mais acerto menos acerto (de milhões em cada hospital EPE), não se temer o não recebimento das verbas, as administrações hospitalares lidam com outra grande incerteza… QUANDO é que vão receber.

em milhares de euros
Valores Médios Norte Centro LVT A&AL Nacional
Dívidas a receber de IMS 14 670 25 298 40 006 49 745 28 765
Adiantamentos de IMS -25 306 -37 112 -78 835 -99 805 -71 717
Estimativa Proveitos CP por faturar 43 216 27 305 81 726 10 565 32 858

nota: IMS significa Instituições do Ministério da Saúde



Conforme explicado nos parágrafos anteriores, persistem muitos milhões de euros “pendurados” dentro da máquina do SNS. Convém realçar que os valores do quadro são MÉDIAS POR CADA HOSPITAL EPE!

4. Os Anexos ao Balanço e à Demonstração de Resultados disponibilizam, na generalidade dos hospitais EPE, listagens de processos judiciais em curso que são enquadrados numa espécie de “passivo contingente” que não existe no normativo POC-MS, mas que serve, em muitos casos injustificadamente, para não constituir provisões para riscos e encargos que iriam onerar ainda mais os resultados de cada exercício. Ao analisar as contas de determinado hospital EPE, devemos ter e consideração este pequeno pormenor que nalguns casos pode ser representativo de uma contingência global milionária. Entre os contenciosos existentes, deparamos com outra situação caricata que se trata… da natureza FISCAL de muitos deles. Hospitais EPE detidos a 100% pelo Estado estão em contencioso fiscal contra... o próprio Estado! Relativamente a isto recomendo a leitura de um artigo anterior do blog [link].

E OS GASTOS COM PESSOAL, COMO ESTÃO?

em milhares de euros
Valores Médios Norte Centro LVT A&AL Nacional
Vendas e Prestações de Serviços 106 538 99 739 145 859 92 682 114 089
Custos com pessoal 59 043 59 971 80 942 52 258 64 426
Número de funcionários  2 037 2 093 2 936 1 907 2 281
Custo médio por funcionário 29 29 28 27 28
Peso Custos c/ pessoal s/VND+PS 55% 60% 55% 56% 56%

Os valores médios que constam na tabela parecem revelar um certo desequilíbrio entre a região centro e as demais regiões, considerando a relação entre os custos com pessoal e o volume de vendas e prestações de serviços. Podia avançar com várias teorias possíveis para justificar o comportamento deste indicador, mas sugiro, em vez de suposições, que a tutela averigue a razão concreta deste facto e proceda em conformidade.

DOIS PEQUENOS GRANDES PORMENORES PARA CONCLUIR

39 dos 40 hospitais EPE analisados prestaram contas ao abrigo do "velhinho" POC-MS que já está completamente desvirtuado das normas contabilísticas nacionais do privado e internacionais do próprio setor público. Permitam-me fazer um enquadramento “histórico” do que aconteceu recentemente, de uma forma muito simples. O Despacho n.º 1507/2014 de 16 de janeiro, dos Gabinetes de Estado do Tesouro e do Secretário de Estado da Saúde, dispunha que era "obrigatoriamente aplicável às entidades públicas empresariais da área da saúde, incluindo os hospitais, os centros hospitalares e as unidades locais de saúde o Sistema de Normalização Contabilística, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho (…)” e a obrigatoriedade “(…) iniciava-se com a apresentação de contas de 2014”. Entretanto, já decorria 2015 (na altura em que se estavam a preparar os relatórios e contas de 2014) e isto foi adiado para a prestação de contas de 2015. Depois, já decorria 2016 e isto foi cancelado porque ia entrar em vigor em 2017 o SNC-AP (vide artigo anterior do blog acerca do assunto). Ainda decorre 2016... e a introdução do SNC-AP vai ser muito provavelmente adiada PELO MENOS por um ano. Trata-se, portanto, de uma normalíssima "reforma" das normas contabilísticas da Administração Pública. Nada de novo neste campo.

A cobertura de seguros na generalidade dos hospitais EPE abrange apenas a responsabilidade civil obrigatória relativamente a viaturas (imobilizado corpóreo), acidentes de trabalho (pessoal) e, eventualmente, dadores de sangue. Não existem, portanto, seguros que cubram o património (móvel ou imóvel) nem outros géneros de responsabilidade civil em termos genéricos (por se tratarem de locais públicos sujeitos a acidentes nas suas instalações que podem afetar terceiros) e específicos do setor (por se tratarem de instituições do setor da Saúde, responsável pelos serviços que presta aos utentes em complemento com a responsabilidade profissional dos médicos). Apesar de não existirem consequências desta situação ao nível das demonstrações financeiras, muitos ROC alertam para os riscos que podem advir para as entidades na eventual ocorrência de sinistros não segurados, especialmente os de grande magnitude que podem afetar um ou vários serviços, tanto em termos materiais como humanos. Do lado dos hospitais EPE, a ausência das mencionadas coberturas de seguro é geralmente justificada: pela importância consensual em termos sociais da atividade pública que desenvolvem; pela capacidade do acionista (Estado) em assumir eventuais perdas resultantes dos acontecimentos seguráveis e previsível aceitação em repor a continuidade da atividade nesses casos; e pelo elevado preço a pagar pelas apólices, em contextos (recorrentes) de limitação dos custos operacionais e restrição orçamental. Mas pergunto uma vez mais, se o Estado não paga o normal, pagará o anormal? Claro que sim… mas QUANDO?

terça-feira, 22 de novembro de 2016

A realidade paralela dos "offshore"

O recente (e efémero) furo jornalístico dos “Panama Papers” veio chamar a atenção, uma vez mais, para a realidade paralela “offshore”, que quase todos condenam, mas que nenhum país parece querer contrariar. No caso português, não se proíbe, optando-se antes pela forte penalização fiscal e descurando-se o essencial – porque razão persistem os fluxos financeiros do nosso país para um “offshore”… se são tão penalizados em termos tributários, nas empresas, à saída. Trata-se, portanto, de um contrassenso que parece querer indiciar que o principal motivo da existência deste fenómeno não é a fiscalidade.

Considerando o lado negro da coisa, mais do que uma ferramenta essencial para a evasão fiscal (por si só condenável), serve principalmente para esconder operações financeiras duvidosas e, acima de tudo, os respetivos beneficiários. Na maioria dos casos, as sociedades “offshore” são criadas em territórios onde há pouca transparência bancária e muitas vezes, no processo, são usados testas de ferro que desviam as atenções dos verdadeiros proprietários. Este ambiente embaciado é ideal, precisamente, para alguém que queira lavar dinheiro proveniente de atividades criminosas.

Mas existe efetivamente uma ressalva, logo inerente às exceções. Planeamento fiscal não deve ser confundido com fraude fiscal e só se pode considerar lógica a atitude do agente económico procurar a rentabilidade máxima da sua atividade, incluindo, naturalmente, a procura de poupança fiscal sem violação da lei. Daí o sucesso dos “paraísos fiscais” que oferecem grandes (e legais) vantagens neste âmbito. Em detrimento de outros sítios que se revelam (cada vez mais) como “infernos fiscais”. Até podemos questionar qual das partes é que na realidade comete a verdadeira injustiça.

Ao contrário das filiais internacionais das empresas “normais”, as sociedades “offshore” não têm qualquer atividade económica nos países onde estão domiciliadas. A constituição de uma sociedade deste género, segundo os entendidos, pode ir desde o “muito simples” ao “muito complicado”. Pode recorrer-se a escritórios especializados (de “renome internacional”) ou pode utilizar-se a própria internet, com… poucos encargos.


Citando o responsável pelo orçamento de uma grande potência europeia (e mundial), “não é necessariamente proibido ter uma sociedade ‘offshore’ ou uma conta no exterior, o importante é saber que atividade real há por trás dessa conta e qual é a origem dos fluxos financeiros”. E este é o principal argumento de defesa de muitos dos visados nos “Panama Papers”, já que o exercício do direito… é geralmente declarado.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A tendência da dívida pública portuguesa

Convém que cada cidadão tome conhecimento da evolução da dívida pública do nosso país e pense bem nas consequências. Para o efeito partilha-se o [link] do último boletim estatístico mensal do Banco de Portugal (e INE), que reporta dados a setembro de 2016.
A dívida líquida (de depósitos) da Administração Central ascendia a... 223 mil milhões de euros. Em dezembro de 2010 cifrava-se em... 159 mil milhões de euros.

Chama-se a atenção para o gráfico que (bem) representa a evolução deste indicador nos últimos anos e cumpre questionar novamente: a (assustadora) tendência é reversível?

Veja-se, mais pormenorizadamente, o mapa excel disponível no site do IGCP ("
Stock da Dívida Direta do Estado (valores mensais)"), que acompanha os valores "brutos" da dívida pública. [link]

Recomenda-se a leitura do artigo deste blog acerca do "défice orçamental e dívida pública" [link].

sábado, 5 de novembro de 2016

As contas anuais dos 4 poderes da democracia


O Estado português é uma república constitucional semi-presidencial, sendo que em Portugal existem quatro Órgãos de Soberania: o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
Considerando o papel fundamental destas entidades na democracia portuguesa, cumpre verificar, no âmbito de intervenção deste blog, a transparência e o rigor colocados na prestação das contas anuais de cada uma.

Preparem-se para ficar surpreendidos (ou talvez não)! 

A Presidência da República

Acedendo ao site da respetiva secretaria geral em sg.presidencia.pt podemos consultar o separador “Conta de Gerência” para constatar a aparente disponibilidade do Relatório e Contas Anual deste Órgão de Soberania. Desenganamo-nos ao clicar nos respetivos links que nos levam para uma página do diário da república na qual constam apenas o balanço, a demonstração de resultados e a demonstração dos fluxos de caixa. Nada de anexo ou sequer relatório de gestão. Nada de surpreendente. Relativamente à (suposta) fiscalização das contas, consta apenas o relatório do Tribunal de Contas respeitante à Auditoria às Contas de 2014 (que não é bem de fiscalização das contas mas mais de avaliação do sistema de controlo interno). Apenas convém citar o parágrafo 74 do mencionado relatório: 

“O relatório e a conta de gerência da PR, depois de aprovados, são enviados pelo Chefe da Casa Civil ao TdC e, posteriormente, a conta deveria ser publicada no Diário da República, acompanhada do respetivo acórdão do TdC o que antes de 2013 nunca aconteceu.” (!!!)

Quanto às contas em si, tomando como referência as de 2015, apraz verificar a saúde financeira e económica da entidade, decorrente naturalmente do elevado valor recebido do Orçamento de Estado (14,78 M€ em 2015), situação que se deve manter em 2016 considerando o relevante aumento do valor orçamentado (16,35 M€). Quanto aos encargos, destaque para a relevância dos gastos com o pessoal na ordem de 10,56 M€, respeitantes a 155 funcionários (conforme o Balanço Social), o que equivale a um gasto médio de cerca de 68 mil euros por funcionário. Cada cidadão, por favor, que compare estes valores com as demais referências europeias. 

A Assembleia da República 

Acedendo ao site em www.parlamento.pt podemos viajar pelo separador “Gestão do Parlamento” e depois “Orçamento e Conta de Gerência” para chegar ao arquivo dos documentos de prestação de contas. Surpreendentemente, à data, o último “Relatório da Conta de Gerência” disponível respeita a 2014. Se quisermos porventura consultar as contas de 2015 podemos aceder ao respetivo Parecer do Tribunal de Contas, que emite no seu parágrafo 38 opinião acerca da fiabilidade das contas, conforme se cita:
“As contas foram apresentadas nos termos das Instruções do TdC aplicáveis (cfr. Anexo 10) e, tendo em conta os resultados das verificações efetuadas, refletem, em todos os aspetos materialmente relevantes, as operações da AR efetivamente realizadas.” 


Quanto às contas em si, tomando como referência as de 2015, apraz verificar outra entidade central da nossa democracia com rica saúde financeira e económica, também decorrente naturalmente do elevado valor recebido do Orçamento de Estado (57 M€ em 2015), que se vai manter em 2016 conforme o respetivo orçamento. Quanto aos encargos, destaque também aqui para a relevância dos gastos com o pessoal na ordem de 42,19 M€, respeitantes a 340 funcionários (conforme o Balanço Social), o que equivale a um gasto médio de cerca de 124 mil euros por funcionário. Conferidos e reconferidos os cálculos… dá mesmo isto. 

O Governo 

Depois de consultar todos os separadores do site www.portugal.gov.pt não foi possível encontrar as contas da entidade. Não sei se são publicadas ou não. Só posso dizer isso mesmo, infelizmente. Nem sequer o Balanço Social para aferirmos o número de funcionários da entidade. É este o melhor exemplo que se pode dar ao país em termos de transparência e rigor na prestação de contas. Depois, não nos podemos queixar do resto. 

Tribunais 

Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional que, à semelhança do Governo, não publica no respetivo site (www.tribunalconstitucional.pt) as contas anuais (como se pode constatar no separador “Instrumentos de Gestão”). Impressionante. Mas surpreende num aspeto - revela o mapa de pessoal, que informa a existência de 92 pessoas ao serviço da Instituição em 2015.

Em segundo lugar, o Tribunal de Contas, o “auditor interno” geral do Estado, que atendendo à função que exerce e ao facto de centralizar na sua plataforma eletrónica a prestação de contas das entidades públicas, deve certamente cumprir os critérios de transparência e rigor na prestação de contas. É assim com grande entusiasmo e esperança que visitamos o site www.tcontas.pt e vamos ao separador “Recursos Humanos e Financeiros” para constatar… que não há nada de novo. Nada de contas anuais. Mas temos o Balanço Social que nos informa que estiveram 408 funcionários ao serviço da Instituição em 2015.

Em terceiro lugar, já desanimados certamente, visitamos o site do Supremo Tribunal de Justiça (www.stj.pt) e consultamos o separador “Relatórios anuais” para confirmar a coerência de práticas instituídas. Zero de contas. Está disponibilizado o habitual Relatório de Atividades no qual podemos aferir que a Instituição teve 141 trabalhadores ao seu serviço em 2015. 

Finalmente, o site do Supremo Tribunal Administrativo (www.stadministrativo.pt), que nada tem para nos oferecer. Simples.

Assim recomenda-se a leitura do artigo deste blog [link] acerca do novo normativo de contabilidade para a Administração Pública que (à partida) vai entrar em vigor em 1 de janeiro de 2017. Ainda tenho sérias dúvidas se é mesmo desta, porque passar do 8 para o 80 não é para todos.