sexta-feira, 28 de outubro de 2016

As contas do Serviço Nacional de Saúde - partes 1 e 2


A análise da situação económica e financeira do Serviço Nacional de Saúde (SNS) divide-se em 3 partes essenciais - o todo e as duas metades:

Parte 1 (o todo) - Contas consolidadas do SNS
Parte 2 (metade) - Entidades mais relevantes do Setor Público Administrativo (SPA) 
Parte 3 (metade) - Todas as entidades Públicas Empresariais (EPE), vulgo “hospitais EPE”.

Neste artigo exploram-se as partes 1 e 2, relegando-se para breve a parte 3 (mais extensa, considerando o elevado número de entidades a analisar).

Primeiro, anexa-se o Quadro-Resumo das contas consolidadas do SNS respeitantes ao quadriénio 2012-2015, juntamente com algumas observações pertinentes. 

(vide ficheiro PDF em partilha)

Relativamente à informação disponível do SNS, cumpre destacar o seguinte:


1. Nota-se (escandalosamente) a falta de transparência e qualidade da informação financeira publicamente disponível. A entidade não publica o Anexo às demonstrações financeiras, nem os próprios anexos do Relatório de Gestão, nem sequer a certificação legal das contas e o parecer de fiscalização de qualquer exercício. Desta forma, não se consegue aferir se as demonstrações financeiras estão isentas (ou não) de distorções ou omissões materialmente relevantes. Esta limitação não permite analisar com rigor alguns "números anormais" que constam nas contas consolidadas.

2. O Ministério da Saúde tem ordenado, desde 2014, a auditoria externa às contas de numerosas entidades públicas, já por si sujeitas a revisão legal das contas (!). Para além da duplicação de intervenção (onerosa, desnecessária e conflituosa perante a lei e as normas éticas da atividade de revisão legal das contas), admite-se que muitas destas “segundas” auditorias estão por concluir, enquanto que os resultados das que já foram concluídas… estão (obviamente) por divulgar. Além disso, sabe-se que a generalidade dos hospitais EPE tem as contas de 2014 ainda por aprovar por parte da tutela, às quais acrescem naturalmente as de 2015. Convém apenas lembrar que… estamos praticamente no final de 2016.

3. O financiamento do Orçamento de Estado ao SNS influencia diretamente o resultado de cada exercício, notando-se que as transferências estatais recebidas nos últimos três anos foram insuficientes em 952 M€. A verba orçamentada para 2016 (superior em apenas 46M€ relativamente a 2015), pode mostrar-se igualmente insuficiente e causadora de novo prejuízo económico, agravando a situação patrimonial global do SNS. Em 2015, o Orçamento de Estado atribuiu 7.878 M€ ao SNS, prevendo-se 7.923 € para 2016. 

4. Cerca de 38% do financiamento do Orçamento de Estado ao SNS é reencaminhado para os subcontratos com entidades prestadoras de serviços (presumivelmente privadas). Os gastos com subcontratos, que somaram cerca de 3 mil milhões de euros em 2015, só vêm evidenciados nas contas desse exercício (que disponibiliza ainda o comparativo com 2014), desconhecendo-se o respetivo valor em 2013 e 2012.
5. O balanço revela um estranho ativo de 474 M€ (não explicado), nas dívidas a receber, que se denomina de "diferenças de conciliação", cujo conceito não se consegue entender e cuja razoabilidade pode ser naturalmente colocada em causa. Não se justificando, pode significar que a situação patrimonial global do SNS esteja sobrevalorizada na mesma proporção.

Agora, anexa-se Quadro-Resumo das contas de 2015 das entidades mais relevantes do Setor Público Administrativo (SPA) do SNS - as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), juntamente com algumas observações pertinentes. 

(vide ficheiro PDF em partilha)

Relativamente à informação disponível destas entidades, cumpre destacar o seguinte:


1. Novo (péssimo) exemplo da falta de transparência e qualidade da informação financeira publicamente disponível. Para além da (tradicional) indisponibilidade do Anexo às demonstrações financeiras (nalgumas ARS) e fraca qualidade da peça nas outras, verifica-se a indisponibilidade (ou ocultação) da certificação legal das contas (CLC) e do parecer de fiscalização de TODAS as ARS. Novamente, não se consegue aferir se as demonstrações financeiras estão isentas (ou não) de distorções ou omissões materialmente relevantes, à exceção da ACSS. É... inacreditável.

2. A CLC da ACSS (única disponível das seis entidades) apresenta uma reserva por limitação de âmbito que refere que o valor global devido por Portugal ao exterior, no âmbito das Convenções Internacionais (225 M€), não contempla toda a dívida uma vez que o Instituto da Segurança Social, que assumiu esta responsabilidade até 1 de maio de 2010, ainda não comunicou à ACSS todos os compromissos anteriores devidos pelo Estado Português. Resumindo, há um passivo por reconhecer nas contas da ACSS, cuja proporção se desconhece, indiciando que o saldo dos fundos próprios ainda é mais negativo. Note-se, se falta nas contas individuais da ACSS... falta nas contas consolidadas do SNS!

3. Todas as entidades analisadas apresentam fundos patrimoniais negativos à exceção da ARS Centro, com a ressalva de que não dispomos das respetivas CLC e não sabemos se há erros/omissões nas contas. Numa entidade privada, a situação patrimonial negativa equivale a “falência técnica”. O somatório dos fundos patrimoniais das seis entidades analisadas dá o valor negativo de 271,6 M€.

4. As contas de acréscimos e diferimentos (que incluem estimativas de custos e proveitos por faturar) revelam saldos enormes, que derivam dos atrasos verificados no encerramento dos Contratos Programa celebrados com os Hospitais EPE. Atrasos que vêm desde 2008 de acordo com o Anexo da ACSS. Convém referir, em jeito de conclusão, que no nosso país permanecem dezenas de entidades do SNS com as contas "penduradas" em estimativas milionárias (emendadas todos os anos) e dívidas brutais a receber e a pagar que não se conseguem conciliar entre as partes. Uma completa falta de vergonha em relação à prestação de contas num setor tão importante como o da Saúde.

É caso para perguntar, com tantos números maus e sem fiabilidade, como se pode gerir com rigor?

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Conhecer a Execução Orçamental (Site da DGO)

Para que cada cidadão possa acompanhar a execução orçamental do ano (receitas e despesas), recomenda-se a visita ao site da Direção Geral do Orçamento e a consulta dos indicadores que constam no seguinte [link].

Convém conhecer os dados diretamente, em primeira mão, sem ser por terceiros (que podem desvirtuar a informação).

Os quadros apresentados encontram-se num formato simples e com suficiente pormenor para se poder analisar a evolução da execução orçamental e compará-la, pelo menos, com o mesmo período do ano anterior. A informação está preparada precisamente para o cidadão.

Proposta do OE 2017 (Fiscalidade)

Publicado pela Ordem dos Contabilistas Certificados, 17.10.2016

Proposta de Orçamento de Estado para 2017

Análise das principais medidas fiscais

Disponível em PDF para download

Entidades Públicas Empresariais (do Estado) pagam IRC… ao Estado

Em muitos anos de atividade profissional persiste até hoje uma enorme dúvida acerca de um estranho fenómeno, do qual ainda não consegui perceber a lógica. Já li e reli muita coisa acerca do assunto, mas ainda não cheguei lá, devo admitir.
Porque razão as Entidades Públicas Empresariais (EPE), que são detidas a 100% pelo Estado, são tributadas (pelo Estado!) em sede de IRC. Mais! Porque razão existe tanto contencioso fiscal a opor estas EPE ao Estado? Estado contra Estado! Muitos milhões de euros em disputa, uma infinidade de recursos empatados nos tribunais, uma brutalidade de dispêndio financeiro com honorários de grandes firmas de advogados, demonstrações financeiras das EPE com provisões (ou sem provisões) que não merecem fiabilidade e todo um aparato muito estranho e alegadamente provocado pela complexidade legal da coisa mas que, para mim, é completamente desprovido de lógica.
Com as devidas especificidades, poderia verter um pouco desta dúvida na tributação, também em sede de IRC, sobre as Empresas Municipais e outras entidades do setor empresarial local… que prestam serviço público. Apesar de estarem sob jugo autárquico, não deixam de pertencer ao Estado. Não é Nacional mas é Local. E também neste setor (autárquico) assistimos, porventura até com maior dimensão, ao tal fenómeno estranho do contencioso fiscal que opõe o Estado (Local)… ao próprio Estado (Nacional). A generalidade dos casos indefinidamente encravados na Autoridade Tributária ou nos Tribunais Administrativos e Fiscais. Os mais complexos dirão respeito até ao IVA, sendo que conheço alguns casos com uma década de andamento (ou estagnação, dependendo do ponto de vista).
Porque razão promove o Estado uma situação que, na prática, em termos líquidos, não o beneficia?

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A normalização contabilística na Administração Pública... finalmente?

Finalmente, está para entrar em vigor o Sistema de Normalização Contabilística para a Administração Pública (SNC-AP), em 1 de janeiro de 2017 (conforme estabelece o DL n.º 192/2015, de 11 de setembro). Eis a data teórica da tão esperada uniformização contabilística em Portugal entre o público e o privado, relegando-se agora com suspense, para data incerta, a notificação oficial da sua implementação prática (leia-se “plena”) na Administração Pública. Ao décimo oitavo ano do século XXI há finalmente coerência, NO PAPEL, entre a contabilidade pública e a privada. Sejamos otimistas e acreditemos que daqui a uns anos já teremos as contas todas a carburar como deve ser.

Vejamos o que existe em 2016. No setor privado, há desde 2010 o Sistema de Normalização Contabilística para as empresas (e as Normas Internacionais de Contabilidade para as maiores que reúnem determinados requisitos) e desde 2012 a norma (semelhante) adaptada para as Entidades do Setor Não Lucrativo. No setor público ainda temos uma série de planos setoriais baseados no “vintage” Plano Oficial de Contabilidade (já derrogado há 7 anos), como o POCP (Geral), o POCPSE (Educação), POCAL (Autarquias Locais), POCMS (Ministério da Saúde), POCISSSS (Sistema de Solidariedade e de Segurança Social) e ainda uma série de entidades que nem sequer "contabilidade" têm para além do velhinho controlo orçamental de despesas e receitas.

Temos que (re)lembrar como é que este processo (constantemente adiado) realmente desencravou. Veio a Troika a Portugal e pediu aos nossos governantes que apresentassem a posição financeira do país (vulgo “balanço”). Os anfitriões pediram uns dias para “reunir” a informação (que não a tinham ali tão em cima do acontecimento), para depois apresentar um ficheiro Excel com os valores recolhidos via estatística (alguns “assim por alto”). Um país alegadamente moderno, membro da União Europeia, que não sabe aferir contabilisticamente o que deve e o que tem a haver. Vai daí, toca a levar a sério a contabilidade pública e deixar de parte a ideia de que as contas só interessam na (ATRASADA!) vertente orçamental do caixa, ou seja… do dinheiro que entra e que sai… no ano. Boa oportunidade para recomendar a leitura do artigo do blog sobre a dívida pública e o défice orçamental.


Como habitual, a dois meses da introdução do SNC-AP, ainda não se conhece o regulamento de formação do contabilista público nem o regulamento da certificação legal de contas das demonstrações orçamentais. Também não faz mal, porque as entidades públicas ainda estão todas a trabalhar no POC qualquer coisa e ainda só estamos em 2016. Resumindo-se, antevê-se uma grande azáfama nas camaratas administrativo-contabilísticas da Administração Pública para 2017. Calma que ainda temos o Natal entretanto...

sábado, 15 de outubro de 2016

Entidades de utilidade pública... mas pouco transparentes


As entidades coletivas de utilidade pública não são obrigadas a prestar contas publicamente, nem a publicá-las nos seus sites institucionais, à exceção das Fundações (obrigadas pela Lei n.º 24/2012, de 9 de julho), das IPSS (obrigadas pelo novo Estatuto das IPSS, conforme Decreto-Lei n.º 172-A/2014 de 14 de novembro) e os Partidos (que publicam contas no site do Tribunal Constitucional ao abrigo da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho).

A “publicação de contas” das entidades coletivas de utilidade pública passa pelo envio do Relatório e Contas... à Secretaria Geral da Presidência do Conselho de Ministros. (!)

Entre as entidades que podem ficar no “vazio legal” de não prestar contas publicamente e que estão "isentas" de as divulgar no respetivo site, destacam-se as Associações e os Clubes (atenção, que não são sociedades desportivas).

Tal não parece sequer coerente com o facto das contas individuais (ultrapassando determinados limites) e as contas consolidadas das entidades de utilidade pública estarem obrigadas a revisão oficial de contas (de acordo com a NCRF-ESNL), que é uma função... de interesse público.

COMENTÁRIO LSV: É caso para perguntarmos, porque razão isto acontece? Entidades que nem na fiscalidade são molestadas porque, alegadamente, não têm finalidade lucrativa (logo não são tributadas em IRC) e exercem a sua atividade em prol da sociedade, porque razão… não têm que “mostrar” as suas contas? Qual a diferença em relação às demais entidades, privadas e públicas, que já têm que o fazer? Tomemos como melhor exemplo desta incoerência - o futebol. Façamos pois uma visita, a título de curiosidade, aos sites dos três principais clubes nacionais, da Liga Portugal ou da Federação Portuguesa de Futebol para consultar os respetivos relatórios e contas anuais. Links que nem sequer existem e outros… que não funcionam.

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

As contas da Deco Proteste

Anexa-se Quadro-Resumo das contas de 2015 e 2014 da Deco Proteste - Editores, Lda que é responsável por publicações (revistas) e ações de defesa dos direitos dos consumidores, bem como os estudos e investigações relacionadas que habitualmente nos chegam através da comunicação social. Juntam-se, como habitualmente, algumas observações pertinentes.

(vide ficheiro PDF em partilha)


Conforme indicado no ficheiro anexo, não se deve confundir a empresa analisada com a ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA A DEFESA DO CONSUMIDOR (DECO). A associação DECO detém uma quota de 25% sobre o capital social desta empresa, sendo que os remanescentes 75% pertencem à empresa luxemburguesa EUROCONSUMERS, SA.


A análise da (pouca) informação disponível revelou quatro situações interessantes:


1. Não há transparência na informação financeira disponibilizada no portal da DECO. Em primeiro lugar, o Relatório e Contas da Deco Proteste - Editores, Lda não está acessível em https://www.deco.proteste.pt, apenas encontrando-se disponível, exclusivamente para associados da DECO, a digitalização das páginas 32 a 34 da revista n° 380 (de junho de 2016), que só contêm o balanço, a demonstração de resultados e a demonstração de alterações dos capitais próprios. Para além da indisponibilidade da demonstração dos fluxos de caixa e do anexo às demonstrações financeiras, a empresa não cumpre o estabelecido no art.º 70.º do Código das Sociedades Comerciais uma vez que também não disponibiliza no site o relatório de gestão e a certificação legal das contas. Para suprir esta falta de informação, temos que recorrer a uma Certidão de Contas Anuais pelo preço de 5 euros.
Além disso, as informações que constam no link http://www.deco.proteste.pt/nt/nc/institucional/lei-da-transparencia# para cumprimento da lei da transparência (art.° 6.° n.º 3 da Lei 78/2015, de 29 de julho) revelam resultados errados, omitindo o sinal negativo do resultado líquido do período (na ordem de - 7,5 milhões de euros).

2. Estranha-se o facto da Certidão de Contas Anuais mencionar que a Certificação Legal das Contas não possui reservas ou ênfases, considerando que existem indícios fortes da sobrevalorização de diversas rubricas do ativo não corrente, numa proporção relevante e com impacto direto na situação líquida da entidade. Ao ponto de podermos considerar que a empresa poderá estar enquadrada no art.º 35.º do Código das Sociedades Comerciais ao contrário do que as contas indicam. A ocorrerem regularizações nos saldos do good will, das participações financeiras e dos ativos por impostos diferidos pode estar perdido mais de metade ou inclusivamente todo o Capital Social da empresa, colocando-a numa situação de falência técnica. O capital próprio pode estar empolado, a confirmarem-se as suspeitas, em vários milhões de euros.

3. Determinada situação anormal de grande magnitude ocorreu no exercício de 2015, presumivelmente relacionada com alguma(s) entidade(s) relacionada(s), que originou um gasto astronómico em compras e aquisições de serviços externos intra-comunitários com impacto direto no prejuízo de 7,5 milhões de euros do período. Sem anexo original às demonstrações financeiras nem relatório de gestão não foi possível confirmar uma grande e importante parte das informações.

4. Nada disto está mencionado no Relatório e Contas da Associação DECO, publicado no seu site, que omite inclusivamente o seu anexo às demonstrações financeiras, onde poderíamos encontrar informação concreta acerca da participação de 25% sobre o capital da empresa analisada.