terça-feira, 22 de novembro de 2016

A realidade paralela dos "offshore"

O recente (e efémero) furo jornalístico dos “Panama Papers” veio chamar a atenção, uma vez mais, para a realidade paralela “offshore”, que quase todos condenam, mas que nenhum país parece querer contrariar. No caso português, não se proíbe, optando-se antes pela forte penalização fiscal e descurando-se o essencial – porque razão persistem os fluxos financeiros do nosso país para um “offshore”… se são tão penalizados em termos tributários, nas empresas, à saída. Trata-se, portanto, de um contrassenso que parece querer indiciar que o principal motivo da existência deste fenómeno não é a fiscalidade.

Considerando o lado negro da coisa, mais do que uma ferramenta essencial para a evasão fiscal (por si só condenável), serve principalmente para esconder operações financeiras duvidosas e, acima de tudo, os respetivos beneficiários. Na maioria dos casos, as sociedades “offshore” são criadas em territórios onde há pouca transparência bancária e muitas vezes, no processo, são usados testas de ferro que desviam as atenções dos verdadeiros proprietários. Este ambiente embaciado é ideal, precisamente, para alguém que queira lavar dinheiro proveniente de atividades criminosas.

Mas existe efetivamente uma ressalva, logo inerente às exceções. Planeamento fiscal não deve ser confundido com fraude fiscal e só se pode considerar lógica a atitude do agente económico procurar a rentabilidade máxima da sua atividade, incluindo, naturalmente, a procura de poupança fiscal sem violação da lei. Daí o sucesso dos “paraísos fiscais” que oferecem grandes (e legais) vantagens neste âmbito. Em detrimento de outros sítios que se revelam (cada vez mais) como “infernos fiscais”. Até podemos questionar qual das partes é que na realidade comete a verdadeira injustiça.

Ao contrário das filiais internacionais das empresas “normais”, as sociedades “offshore” não têm qualquer atividade económica nos países onde estão domiciliadas. A constituição de uma sociedade deste género, segundo os entendidos, pode ir desde o “muito simples” ao “muito complicado”. Pode recorrer-se a escritórios especializados (de “renome internacional”) ou pode utilizar-se a própria internet, com… poucos encargos.


Citando o responsável pelo orçamento de uma grande potência europeia (e mundial), “não é necessariamente proibido ter uma sociedade ‘offshore’ ou uma conta no exterior, o importante é saber que atividade real há por trás dessa conta e qual é a origem dos fluxos financeiros”. E este é o principal argumento de defesa de muitos dos visados nos “Panama Papers”, já que o exercício do direito… é geralmente declarado.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A tendência da dívida pública portuguesa

Convém que cada cidadão tome conhecimento da evolução da dívida pública do nosso país e pense bem nas consequências. Para o efeito partilha-se o [link] do último boletim estatístico mensal do Banco de Portugal (e INE), que reporta dados a setembro de 2016.
A dívida líquida (de depósitos) da Administração Central ascendia a... 223 mil milhões de euros. Em dezembro de 2010 cifrava-se em... 159 mil milhões de euros.

Chama-se a atenção para o gráfico que (bem) representa a evolução deste indicador nos últimos anos e cumpre questionar novamente: a (assustadora) tendência é reversível?

Veja-se, mais pormenorizadamente, o mapa excel disponível no site do IGCP ("
Stock da Dívida Direta do Estado (valores mensais)"), que acompanha os valores "brutos" da dívida pública. [link]

Recomenda-se a leitura do artigo deste blog acerca do "défice orçamental e dívida pública" [link].

sábado, 5 de novembro de 2016

As contas anuais dos 4 poderes da democracia


O Estado português é uma república constitucional semi-presidencial, sendo que em Portugal existem quatro Órgãos de Soberania: o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
Considerando o papel fundamental destas entidades na democracia portuguesa, cumpre verificar, no âmbito de intervenção deste blog, a transparência e o rigor colocados na prestação das contas anuais de cada uma.

Preparem-se para ficar surpreendidos (ou talvez não)! 

A Presidência da República

Acedendo ao site da respetiva secretaria geral em sg.presidencia.pt podemos consultar o separador “Conta de Gerência” para constatar a aparente disponibilidade do Relatório e Contas Anual deste Órgão de Soberania. Desenganamo-nos ao clicar nos respetivos links que nos levam para uma página do diário da república na qual constam apenas o balanço, a demonstração de resultados e a demonstração dos fluxos de caixa. Nada de anexo ou sequer relatório de gestão. Nada de surpreendente. Relativamente à (suposta) fiscalização das contas, consta apenas o relatório do Tribunal de Contas respeitante à Auditoria às Contas de 2014 (que não é bem de fiscalização das contas mas mais de avaliação do sistema de controlo interno). Apenas convém citar o parágrafo 74 do mencionado relatório: 

“O relatório e a conta de gerência da PR, depois de aprovados, são enviados pelo Chefe da Casa Civil ao TdC e, posteriormente, a conta deveria ser publicada no Diário da República, acompanhada do respetivo acórdão do TdC o que antes de 2013 nunca aconteceu.” (!!!)

Quanto às contas em si, tomando como referência as de 2015, apraz verificar a saúde financeira e económica da entidade, decorrente naturalmente do elevado valor recebido do Orçamento de Estado (14,78 M€ em 2015), situação que se deve manter em 2016 considerando o relevante aumento do valor orçamentado (16,35 M€). Quanto aos encargos, destaque para a relevância dos gastos com o pessoal na ordem de 10,56 M€, respeitantes a 155 funcionários (conforme o Balanço Social), o que equivale a um gasto médio de cerca de 68 mil euros por funcionário. Cada cidadão, por favor, que compare estes valores com as demais referências europeias. 

A Assembleia da República 

Acedendo ao site em www.parlamento.pt podemos viajar pelo separador “Gestão do Parlamento” e depois “Orçamento e Conta de Gerência” para chegar ao arquivo dos documentos de prestação de contas. Surpreendentemente, à data, o último “Relatório da Conta de Gerência” disponível respeita a 2014. Se quisermos porventura consultar as contas de 2015 podemos aceder ao respetivo Parecer do Tribunal de Contas, que emite no seu parágrafo 38 opinião acerca da fiabilidade das contas, conforme se cita:
“As contas foram apresentadas nos termos das Instruções do TdC aplicáveis (cfr. Anexo 10) e, tendo em conta os resultados das verificações efetuadas, refletem, em todos os aspetos materialmente relevantes, as operações da AR efetivamente realizadas.” 


Quanto às contas em si, tomando como referência as de 2015, apraz verificar outra entidade central da nossa democracia com rica saúde financeira e económica, também decorrente naturalmente do elevado valor recebido do Orçamento de Estado (57 M€ em 2015), que se vai manter em 2016 conforme o respetivo orçamento. Quanto aos encargos, destaque também aqui para a relevância dos gastos com o pessoal na ordem de 42,19 M€, respeitantes a 340 funcionários (conforme o Balanço Social), o que equivale a um gasto médio de cerca de 124 mil euros por funcionário. Conferidos e reconferidos os cálculos… dá mesmo isto. 

O Governo 

Depois de consultar todos os separadores do site www.portugal.gov.pt não foi possível encontrar as contas da entidade. Não sei se são publicadas ou não. Só posso dizer isso mesmo, infelizmente. Nem sequer o Balanço Social para aferirmos o número de funcionários da entidade. É este o melhor exemplo que se pode dar ao país em termos de transparência e rigor na prestação de contas. Depois, não nos podemos queixar do resto. 

Tribunais 

Em primeiro lugar, o Tribunal Constitucional que, à semelhança do Governo, não publica no respetivo site (www.tribunalconstitucional.pt) as contas anuais (como se pode constatar no separador “Instrumentos de Gestão”). Impressionante. Mas surpreende num aspeto - revela o mapa de pessoal, que informa a existência de 92 pessoas ao serviço da Instituição em 2015.

Em segundo lugar, o Tribunal de Contas, o “auditor interno” geral do Estado, que atendendo à função que exerce e ao facto de centralizar na sua plataforma eletrónica a prestação de contas das entidades públicas, deve certamente cumprir os critérios de transparência e rigor na prestação de contas. É assim com grande entusiasmo e esperança que visitamos o site www.tcontas.pt e vamos ao separador “Recursos Humanos e Financeiros” para constatar… que não há nada de novo. Nada de contas anuais. Mas temos o Balanço Social que nos informa que estiveram 408 funcionários ao serviço da Instituição em 2015.

Em terceiro lugar, já desanimados certamente, visitamos o site do Supremo Tribunal de Justiça (www.stj.pt) e consultamos o separador “Relatórios anuais” para confirmar a coerência de práticas instituídas. Zero de contas. Está disponibilizado o habitual Relatório de Atividades no qual podemos aferir que a Instituição teve 141 trabalhadores ao seu serviço em 2015. 

Finalmente, o site do Supremo Tribunal Administrativo (www.stadministrativo.pt), que nada tem para nos oferecer. Simples.

Assim recomenda-se a leitura do artigo deste blog [link] acerca do novo normativo de contabilidade para a Administração Pública que (à partida) vai entrar em vigor em 1 de janeiro de 2017. Ainda tenho sérias dúvidas se é mesmo desta, porque passar do 8 para o 80 não é para todos.

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

As contas das Futebol SAD - SL Benfica, Sporting CP e FC Porto

Anexa-se Quadro-Resumo comparativo das contas consolidadas das três principais Sociedades Anónimas Desportivas (SAD) em Portugal, respeitantes às épocas 2015/2016 e 2014/2015 (em milhares de euros), juntamente com algumas observações pertinentes. 

(vide ficheiro PDF em partilha) LEITURA OBRIGATÓRIA

Os sítios das internet da SL Benfica Futebol SAD, Sporting CP Futebol SAD e FC Porto Futebol SAD disponibilizam os seus relatórios e contas (R&C), completos e com as respetivas certificações legais das contas consolidadas. Recomenda-se a sua consulta.


Disclaimer: Não obstante o esforço pessoal na produção de um trabalho objetivo, cumpre informar que sou adepto sportinguista. Se, porventura, algum leitor considerar que alguma parte da análise está ferida de subjetividade clubística, tem natural direito em pronunciar-se, apesar de considerar, à partida, não haver razão para tal.

Quando aos números em si, DESTACAM-SE cinco situações para mim relevantes:

1. Esta análise abrange as SAD e não os respetivos clubes, accionistas maioritários destas SAD. Considerando a abundância de saldos e operações existentes entre o grupo de cada SAD e as entidades fora desse grupo (incluindo o clube), convinha conhecer as contas consolidadas dos clubes, mas infelizmente estas não são publicitadas. Conforme já referido noutro artigo deste blog [link], os clubes são entidades coletivas de utilidade pública (?), logo não são obrigadas a prestar contas publicamente, nem a disponibilizá-las nos seus sites institucionais. E não são os únicos no “mundo do futebol” a (não) fazê-lo, conforme refiro no mencionado artigo. Sem essa informação publicamente disponível e no formato apresentado pelos seus autores (os clubes), vergamos a nossa perceção da coisa à informação veiculada pelos jornais desportivos e comentadores da bola, que são tudo… menos isentos. Mas, pensando bem, é mesmo essa a intenção, ou não?  
2. O facto mais evidente, em termos económicos, é talvez o mais publicitado e provavelmente do conhecimento geral. Todas as SAD possuem uma situação patrimonial líquida débil e enquadrada no art.º 35.º do Código das Sociedades Comerciais (em que mais de metade do capital social está perdido), sem que os respetivos R&C evidenciem medidas objetivas e concretas quanto à resolução da situação. Ressalve-se que a gravidade da situação varia de SAD para SAD. Tal constatação e a ligeireza com que se aborda o tema no espaço mediático relega-nos para a infeliz constatação de que estas entidades do futebol pertencem a uma categoria semelhante aos bancos, ainda que por motivos diferentes (de vertente mais psicológica que económica), sendo consideradas pelo público em geral como “demasiado importantes para cair”, até ao dia… em que cair a primeira.
3. Outro facto evidente, mas cujo grau pode ser encarado de várias perspetivas diferentes e estar sujeito às tais parcialidades clubísticas na sua análise, prende-se com a situação financeira. Salvo melhor opinião, a Sporting CP Futebol SAD apresenta a situação mais aliviada no curto prazo, fruto da recente renegociação efetuada com os bancos (por todo o Grupo Sporting), apesar de se tratar de uma estabilidade a prazo determinado (10 anos). Neste aspeto, a SL Benfica Futebol SAD e a FC Porto Futebol SAD carecem de idêntica reestruturação da dívida… se se quiserem aguentar nas próximas épocas. Esta última SAD terá talvez a maior dificuldade em concretizar esse passo, atendendo à respetiva situação económica e ao enorme défice operacional que perspetiva (novamente) para a época em curso e, eventualmente, para as subsequentes. Trata-se de uma questão de fôlego financeiro, para colocar a casa em ordem e (sugiro eu) adaptá-la à dimensão do futebol nacional, sem negligenciar a participação nas competições europeias.
4. As pesadas estruturas de gastos das SAD, grosso modo, fazem com que o sinal positivo ou negativo do resultado de cada exercício dependa, principalmente, das mais valias das vendas de direitos desportivos de atletas (ativos intangíveis) e da participação na Liga dos Campeões (pelas receitas diretas e indiretas que gera). A principal componente dos encargos de cada SAD respeita aos gastos com o pessoal (diretos e indiretos, designadamente as amortizações dos direitos desportivos dos atletas), sendo que neste aspeto a FC Porto Futebol SAD surge em primeiro lugar com 107,3 M€ de gastos, a SL Benfica Futebol SAD surge em segundo lugar com 98,2 M€ de gastos e, finalmente, a Sporting CP Futebol SAD com 58,2 M€ de gastos. Poderá colocar-se em causa a razoabilidade dos maiores valores, dentro do contexto do futebol português (ou não)?

5. Não querendo explorar muitos dos aspetos concretos focados nos comentários ao quadro comparativo partilhado no ficheiro acima, finalizo este resumo com um destaque àquele que considero ser, porventura, o dado mais curioso da análise, atendendo à grande incerteza no futuro desportivo (e consequentemente económico-financeiro) destas SAD – o plantel de atletas profissionais. No final da época de 2015/2016, a SL Benfica Futebol SAD possuía um plantel profissional com 80 jogadores valorizados, no valor líquido de 115,2 M€, e 33 jogadores não valorizados (oriundos da formação, provavelmente). A FC Porto Futebol SAD possuía um plantel profissional com 69 jogadores valorizados, no valor líquido de 90,6 M€, e 16 jogadores não valorizados (oriundos da formação, provavelmente). Na mesma data, a Sporting CP Futebol SAD possuía um plantel profissional com 40 jogadores valorizados, no valor líquido de 32 M€, e 58 jogadores não valorizados (oriundos da formação, provavelmente). Isto sim pode dar origem a interpretações pessoais, logo não dou a minha, não obstante considerar que está aqui um indicador relevante acerca das perspetivas futuras de cada SAD. Porque esta é a "mina" de cada SAD.