No caso particular da "Yupido S.A." [link], alegadamente, procedeu-se à "entrega" de um ativo intangível avaliado em cerca de 28,8 mil milhões de euros para realização de igual número de ações com valor nominal de 1 euro cada. Esta operação tem atraído muitas atenções mediáticas por vários motivos, sendo o foco deste artigo o trabalho efetuado pelo ROC, no seguimento do artigo veiculado no jornal online ECO, cuja leitura se recomenda para um enquadramento mais rigoroso do caso [link].
Em primeiro lugar, a teoria. O trabalho do ROC deve ser efetuado de acordo com a Norma Internacional de Trabalhos de Garantia de Fiabilidade que Não Sejam Auditorias ou Revisões de Informação Financeira Histórica (ISAE 3000 Revista), e demais normas e orientações técnicas e éticas da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), as quais exigem que o mesmo seja planeado e executado com o objetivo de obter garantia razoável de fiabilidade sobre se os valores das entradas atingem ou não o valor nominal das ações atribuídas aos sócios que efetuaram tais entradas. Para tanto, o referido trabalho incluiu, entre outros procedimentos:
(a) a verificação da existência dos bens ou direitos;(b) a verificação da titularidade dos referidos bens ou direitos e da existência de eventuais ónus, encargos ou quaisquer condicionamentos que recaiam sobre esses seus direitos;(c) a adoção de critérios adequados na avaliação dos mesmos; e(d) a avaliação dos bens.
Agora a parte prática, citando o relatório do ROC, "Em concreto, [este ativo intangível] materializa-se numa plataforma digital inovadora, de armazenamento, proteção, distribuição e divulgação de todo o tipo de conteúdo media. Tal plataforma destaca-se pelos algoritmos que a constituem.”. Depois de avaliado o direito intangível em causa, o mencionado valor foi considerado suficiente para a realização do capital social.
Finalmente o comentário. O profissional executor, cumprindo as normas técnicas de auditoria aplicáveis, deve ter obtido prova apropriada sobre a qual baseou a opinião. Para este efeito, presume-se que tenha usado o trabalho de um perito na recolha e avaliação da prova, para, numa base combinada, reunir as habilitações e o conhecimento respeitantes ao assunto suficientes para considerar que a prova obtida foi adequada e suficiente. Esperemos, pois, que tal tenha ocorrido.
Não obstante o referido no parágrafo anterior, deve ainda ser verificado o cumprimento de todos os requisitos normativos para reconhecimento do ativo intangível, que de acordo com o parágrafo 21 da NCRF 6 são, resumidamente, a existência de probabilidade de geração de benefícios económicos futuros para a entidade e a fiável mensuração do custo do ativo. Destaque para o número 24 da mesma norma: "Um ativo intangível deve ser mensurado inicialmente pelo seu CUSTO." Com base na informação disponível, não parece ter sido o caso, logo podendo colocar-se em causa o reconhecimento do ativo. Nem considero necessário entrar aqui noutros pormenores técnicos relacionados com a geração do ativo, nomeadamente se foi interna ou externa.
PS: Consultando o site da empresa em questão, verificamos que esta não cumpre o disposto no artigo 70.º do CSC [problema generalizado já abordado num artigo do blog] e impossibilita-nos de consultar a certificação legal das contas de 2016, para conhecer também a opinião profissional do ROC da empresa acerca do reconhecimento deste ativo.
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